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Entre a Pomba e a Serpente
Como integrar sua ingenuidade primordial e uma razão desenvolvida?

Todos os dias tomamos dezenas de decisões.
Cada decisão tem um nível de importância que determinamos pelo impacto percebido das suas consequências.
Esse impacto é determinado por nossas crenças.
Alguém pode pensar durante meses antes de se demitir de um emprego de que não gosta. Outra pessoa, pode levar dias.
O que difere uma pessoa da outra, na maior parte dos casos, é seu sistema de crenças.
Uma pode perceber o mundo de forma mais amigável e ter fé que irá encontrar algo melhor.
Outra pode perceber o mundo como mais ameaçador e sentir a necessidade de criar algumas proteções, como uma reserva de segurança, por exemplo, para se sentir confortável com a mudança.
Não existe certo ou errado. O que vemos é apenas a materialização na realidade do que cada um dos indivíduos acredita.
Ambos irão experienciar as consequências de suas decisões. Essas consequências podem incluir, mas não se limitam a:
Sensações físicas
Emoções
Acontecimentos percebidos como ruins ou bons
Essas consequências geram alterações no sistema de crenças do indivíduo a partir disso.
A grande questão aqui é: essas alterações acontecerão de maneira consciente ou inconsciente? Será uma ação criativa ou reativa?
É nesse processo de integração das respostas que recebemos do mundo que temos o poder de mudar nossa realidade.
Se permitimos que nossas crenças sejam modeladas pelo mundo de forma inconsciente, estamos sendo programados pelo que o autor Don Miguel Ruiz chama de “voz da cultura” ou “voz do conhecimento”.
A Voz da Cultura
Durante nossa infância somos pura abertura. Tudo penetra diretamente na nossa consciência sem nenhum filtro e é assumido como verdade.
É nesse estágio de pura apertura que somos programados com a voz da cultura.
Ela representa tudo que nos foi ensinado durante esse período onde nossas defesas estavam abertas. Onde tudo tocava nosso coração com facilidade.
Aqui incluímos: tudo que vimos, ouvimos ou sentimos. A voz da cultura não surge apenas através de educação direta. Onde nossos pais poderiam nos dizer, por exemplo: “coma frutas para não ficar doente”. Mas também através da educação indireta: onde víamos nossos pais comendo frutas e mesmo assim ficando doentes.
Exemplos simples como esses podem ser expandidos para todo tipo de experiência que você teve durante sua infância.
Toda essa programação é necessária para vivermos em sociedade. Ninguém controla sua programação inicial e é preciso perceber que: assim como nós sofremos com essa programação, todos ao nosso redor, também sofreram.
Buscando a Abertura
Toda melhoria da nossa capacidade de tomada de decisão está em: encontrarmos onde estamos sendo limitados ou enganados pela voz do conhecimento.
Se trata de identificarmos os pontos cegos das nossas crenças.
É perceber aquilo que nos eleva e aquilo que nos rebaixa.
É compreender que cada pensamento que temos determina o que será experienciado dentro da nossa realidade.
Nossa realidade é como um espelho “atrasado” do que carregamos como nossas crenças mais arraigadas.
É necessário entender que: nem todos pensamentos que temos são, verdadeiramente, nossos. Muitas vezes, são os ecos da voz do conhecimento ressoando nas nossa mentes.
Nossa verdadeira voz é diferente, não é baseada em medo, competição, agressividade ou desejo. Nossa verdadeira voz nasce da pura abertura que tínhamos quando éramos crianças.
"Portanto, sejam espertos como as cobras e inocentes como as pombas."
Retornando à Natureza Interior
A citação de Mateus nos convida a manter a inteligência da mente sem perder a pureza da consciência.
Observe como os animais nunca comem além do necessário. Como as árvores crescem exatamente na medida certa. Como tudo na natureza flui em harmonia perfeita. Essa é a sabedoria da pomba - simples, direta, sem conflito interno.
Nós desenvolvemos a "esperteza da serpente" - nossa capacidade mental de planejar, analisar, melhorar. Mas no processo, perdemos contato com nossa natureza essencial.
A esperteza da serpente é a responsável por navegar essa sociedade criada pela voz da cultura. Porém é a pureza da consciência que deve determinar a direção para onde devemos navegar.
O Conflito Interior
Cada vez que tentamos forçar uma mudança em nós mesmos através do esforço do ego, estamos criando um campo de batalha interno. É como se nossa mão direita lutasse contra a esquerda.
A voz da cultura nos ensinou a:
Punir-nos quando erramos
Recompensar-nos quando acertamos
Controlar através da disciplina rígida
Mudar através da culpa e do medo
Mas observe: isso funciona? Ou apenas cria mais tensão, mais conflito, mais sofrimento?
A Sabedoria do Corpo
Seu corpo carrega uma inteligência que sua mente consciente jamais poderia replicar. Ele digere alimentos, circula sangue, cura feridas - tudo sem que você precise pensar.
Se seu corpo pudesse falar, o que diria?
Talvez diria que você come quando não tem fome - por ansiedade.
Talvez diria que você ignora o cansaço - por ambição.
Talvez diria que você tensiona músculos que deveriam estar relaxados - por medo.
A verdadeira mudança não vem do conflito, mas da observação amorosa e paciente.
Em vez de forçar, observe. Em vez de julgar, compreenda. Em vez de lutar contra sua natureza, dance com ela.
Quando você para de brigar com o que é, algo mágico acontece: a mudança flui naturalmente, como água encontrando seu caminho.
Reconecte-se com a fonte
Pergunte-se:
Quanto tempo faz que não observo o céu sem pressa?
Quando foi a última vez que toquei a terra com as mãos?
Há quanto tempo não escuto o vento sem pensar em mais nada?
Quando nos afastamos demais da natureza, nosso espírito murcha - porque foi arrancado de suas raízes.
Ser esperto como a serpente e inocente como a pomba significa:
Usar a inteligência para compreender, não para controlar. Aplicar a sabedoria para harmonizar, não para dominar. Empregar o conhecimento para despertar, não para adormecer.
A próxima vez que você quiser mudar algo em si mesmo, pare. Respire. Observe. Compreenda. E então, permita que a mudança aconteça em harmonia com sua natureza mais profunda.
Porque no final, toda verdadeira transformação não é uma conquista do ego - é um retorno para casa.
"Pois cada vez que você luta contra a Natureza indo contra ela, você se danifica - porque a Natureza é seu próprio ser."